segunda-feira, março 20, 2006

Aula de mandinga

Lembro-me de que, em minha época de estudante de licenciatura em História, li um texto que dizia que ensinar não é uma ciência, mas uma arte. Assim, os comentários que se seguem não devem ser tomados como um método de ensino eficaz a ser adotado por todos aqueles que ensinam capoeira; são apenas um relato de um caso singular no mundo da brincadeira.
Já escutei muito em vários lugares onde treinei esta frase: "malícia não se ensina". Acho que os treinos do mestre Pombo desmentem essa idéia. Principalmente nos jogos com rodas pequenas acaba-se desenvolvendo a percepção e a "maldade".
Segundo caras como Nestor Capoeira, isto é o mais importante no ensino da vadiagem: o desenvolvimento da malícia. Eu concordo com ele, e também acho que tanto a parte dos golpes quanto a parte da malícia podem ser treinados, cabendo ao mestre desenvolver um tipo de aula que se destine a isso, como o mestre Pombo faz com seus alunos.
Hoje em dia, na maioria das academias o que se treina é repetição de movimentos, quase uma "aerocapoeira", pois os alunos só ficam imitando os movimentos repetidos por um professor que se posiciona na frente da sala de aula e que determina o ritmo dos exercícios. A ênfase na repetição de seqüências pré-determinadas realizadas por dois jogadores também é muito grande. Desse jeito, o treino da percepção do outro e da malícia fica prejudicado.
Os toques do mestre durante os jogos das alunos são fundamentais para desenvolver um capoeirista mandingueiro, o mestre Pombo de Ouro, assim como os mestres tradicionais o faziam, frisa muito a necessidade de perceber o movimento do outro e de enganar o camarada. Como na capoeira tradicional, ensinada aos mestres Waldemar da Paixão e Canjiquinha (ver o livro de Frede Abreu e a biografia de Canjiquinha), e provavelmente a todos da Velha Guarda.
Nesse ponto, se o método Senzala é mais eficiente para desenvolver golpes rápidos, o método tradicional é mais eficiente para criar a malícia. Estão de prova os aprendizes mais recentes do mestre Pombo de Ouro, é cada vez mais desafiador jogar com eles.
Deve-se frisar também na aula do Mestre Pombo a criação de um ambiente cooperativo entre os alunos. O fato de o mestre não ter uma postura autoritária, compartilhando seus sentimentos, suas decisões quanto ao andamento do aprendizado com os alunos é fundamental na criação desse ambiente. As atividades das aulas não são decididas apenas por ele, os alunos tendo um papel importante no seu andamento.
Isso é fundamental para criar a auto-confiança e o protagonismo no aluno. O iniciante não é visto como um ser inferior que recebe o conhecimento de um ser absolutamente superior; mas como um indivíduo que possui interesses próprios dentro e fora do mundo da capoeira, um determinado ritmo de aprendizado e um determinado jeito de soltar os golpes que devem ser respeitados por todos os outros colegas, mesmo os mais adiantados.
A cooperação entre os alunos é mais bem desenvolvida desse modo, cada um respeita o interesse do outro por se sentir respeitado de volta. Isso acontece primeiramente porque o mestre olha cada discípulo como único, comprometendo-se individualmente com cada um dos alunos e isso parece que contagia o grupo inteiro.
O aprendiz percebe, então, que a aula do mestre não tem somente que ver com capoeira, mas também, e principalmente, com a construção da própria individualidade, com encontrar seu próprio caminho na vida consciente de suas escolhas e respeitando as pessoas com quem se convive. E isso realmente não se aprende numa academia.

Moreno

2 Comments:

Blogger Moreno capoeira said...

Lembrar da observação feita por Alejandro Frigério sobre a perda da mandinga na capoeira-esporte, que só é desenvolvida nos alunos mais avançados.
Lembrar também de que Nestor Capoeira coloca a malícia como o fundamento principal da capoeira, os golpes sendo secundários.

2:04 PM  
Blogger Moreno capoeira said...

Improvisacao, Moreno, e a palavra chave que faltou ser escrita no seu texto sobre o mestre Pombo.

7:57 PM  

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