Aula de mandinga II
Conforme expus na postagem anterior, o método do mestre Pombo de Ouro recoloca o aluno como sujeito da própria aprendizagem. Aqui vão outros exemplos da atuação do mestre, seguidos dos pressupostos em que estão baseados.
É característica importante da metodologia do mestre Pombo a preocupação com um ambiente de aprendizado livre de ansiedades dos alunos quanto à sua performance e quanto à sua aceitação pelo grupo. Por exemplo, dinâmicas de grupo como pique-pega (em pé e agachado) e como troca de pares em pequenos jogos ajudam a "quebrar o gelo" dos alunos e a criar um clima propício à integração. Ele utiliza tais dinâmicas diariamente, mas aumenta sua duração quando chegam alunos novos.
A ansiedade quanto à aprendizagem é combatida de diversas formas: é ele quem escolhe as duplas de treinamento, como fazia mestre Bimba, de acordo com o nível de aprendizado e também -- e isso mostra um conhecimento e uma preocupação com seus alunos que não é comum em professores de capoeira -- conforme a personalidade e o temperamento do aluno. Dessa maneira, um aluno iniciante, porém violento e empolgado, não treina junto com outro iniciante mais pacato, mas sim com um aluno avançado -- devidamente alertado pelo mestre a não machucar o calouro.
Por outro lado, o aluno avançado tem a consciência de que ele mesmo está aprendendo capoeira ao se preocupar com o controle de seus golpes quando treina com o iniciante. O mestre vive repetindo dois ditados referentes a essa situação: "Quem sabe mais doa a quem sabe menos" e "o capoeirista deve aprender a vencer a si mesmo". Quanto a essa última frase, ele a desenvolveu nos seus estudos de esoterismo. Lembro-me de ele ter me emprestado uma revista que dizia que o objetivo maior das artes marciais é a superação da razão sobre os instintos animais do homem.
Outra forma de assegurar a integração da turma evitando a ansiedade quanto à aprendizagem é na escolha dos exercícios de cada dupla. Cada uma delas realiza um determinado exercício de golpe e contragolpe adaptado ao grau de desenvolvimento de cada aluno. Porém, se um aluno da dupla realiza os exercícios com uma dificuldade muito menor que o companheiro, o mestre muda o exercício para que aquele que sabe menos não se sinta inferiorizado. Muitas vezes ele sugere variações do mesmo exercício.
Outra preocupação do mestre é com o trabalho em pares. Como mencionei anteriormente, é ele quem forma as duplas seguindo critérios bem definidos. O mestre toma cuidado para não deixar que um aluno dê lições demais ao outro. Isso pode inferiorizar aquele que está sendo "ensinado" pelo colega. O objetivo do mestre é fazer com que o aluno aprenda com seus próprios erros, por isso não é positivo, na sua metodologia, que um aluno avançado se imponha demasiado sobre um iniciante. A direção e o ritmo do aprendizado devem ser ditados pelas aptidões de cada aluno.
Durante a roda, um certo clima de competição é incentivado, porém, dentro do contexto de integração e aceitação do outro, presente em todos os momentos da aula. Quando os alunos estão no pé do berimbau, o mestre sugere a execução de determinados golpes treinados durante a aula. Além disso, comenta o que acontece na roda com interjeições e chega a parar o jogo para dar alguns "toques" para os camaradas que estão jogando. Isso, segundo ele, serve para que aumente a consciência do aprendiz tanto sobre o próprio jogo quanto sobre o jogo do outro. Por que "capoeira", para o mestre, "é percepção".
Nas rodas, os alunos, em sua maioria, iniciantes sem contato com músicas de capoeira, são incentivados a repetir o coro, mesmo que saia desafinado ou fora do ritmo. Isso faria com que eles percebessem -- naturalmente, através da própria experiência e sem ninguém obrigando-os a responder o coro -- as qualidades necessárias para se fazer uma boa roda.
O mesmo vale para a bateria: tanto o tocador de berimbau como o pandeirista e o cantor devem perceber naturalmente as dificuldades presentes na formação de uma boa charanga e se acertarem. Isso tudo com uma intervenção mínima do mestre, ele apenas fala: "o berimbau não pode tocar na segunda, o pandeiro na terça, a palma na quarta, o canto na quinta e o coro na sexta-feira". O mestre chama atenção dos alunos para as dificuldades de cantar, tocar um instrumento, bater palma e olhar o jogo da roda tudo ao mesmo tempo. Isso seria outro treinamento de percepção e de auto-conhecimento para os alunos.
Outras "mandingas metodológicas" do mestre ainda serão expostas.
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