Degeneração de uma certa angola?
Há algum tempo, li uma ótima biografia do mestre Bimba que dizia que a regional tinha sido uma reação do mestre a "uma certa capoeira angola" que estava se degenerando. Essa afirmação parece ter sido adotada também no recente documentário sobre mestre Bimba: o batuque e a capoeira baiana tradicional estavam em decadência e o mestre Bimba acabou modernizando-os e salvando-os do esquecimento e da extinção.
Ora, recentemente estudiosos vêm argumentando que a capoeira regional do mestre Bimba estava inserida numa realidade muito mais ampla do que a do Recôncavo Baiano: dialogava com o projeto carioca da Ginástica Nacional e, em última instância, estava ligada à expansão do esporte moderno pelo mundo.
Não nos enganemos, o esporte moderno é uma invenção recente, data da Inglaterra do final do século XVIII, pois foi lá que esportes populares tradicionais receberam regras: a caça à raposa, o cricket, o boxe, o futebol, o rugbi são produtos da sistematização levada a cabo pelas camadas mais ricas daquele país. O rugby e o futebol tiveram suas regras estabelecidas em meados do século XIX nas escolas burguesas de Rugby, Enton e outras. Estava implícita nesses projetos uma tentativa de "civilização" e "higienização" dessas atividades tradicionais. Tais esportes deveriam formar uma classe de homens viris e autoconfiantes, capazes de dirigir o país e suas colônias.
Essa obsessão pela higienização dos esportes tradicionais chegou ao Brasil no começo do século XX e foi aplicada à capoeira. Existem vários escritos, como os de Melo de Morais Filho e os de Aníbal Burlamaqui, citados por Líbano Soares na Capoeira Escrava, defendendo a criação de um esporte nacional. Tal esporte não poderia ser afro, deveria fazer parte de um projeto higienista, eugenista e embranquecedor do brasileiro.
É nesse contexto que o discurso da degeneração da vadiação baiana em presepada precisa ser enxergado. A vadiação tradicional praticada pela camadas populares nos intervalos de trabalho no porto, nos largos das igrejas nos dias de festa e nas reuniões de domingo ao lado dos botequins não se aplicava bem à idéia de um esporte genuinamente nacional.
A ginástica nacional dos mestres cariocas Zuma e Sinhozinho de Ipanema, sistematizada nos anos 1920 seguia essa linha higienista mais pronunciada. A capoeira regional do mestre Bimba segue uma linha diversa, mas influenciada por aquela outra, dado que tanto ele como seus alunos conheciam as regras sistematizadas por Zuma e compartilhavam, em alguma medida, do desejo de esportivização. O contato dos universitários de origem burguesa com mestre Bimba gerou um produto híbrido, uma concepção afro e popular de esporte que traçaria os rumos do desenvolvimento futuro da brincadeira.
Um abraço a todos,
Adriano "Moreno"
Ora, recentemente estudiosos vêm argumentando que a capoeira regional do mestre Bimba estava inserida numa realidade muito mais ampla do que a do Recôncavo Baiano: dialogava com o projeto carioca da Ginástica Nacional e, em última instância, estava ligada à expansão do esporte moderno pelo mundo.
Não nos enganemos, o esporte moderno é uma invenção recente, data da Inglaterra do final do século XVIII, pois foi lá que esportes populares tradicionais receberam regras: a caça à raposa, o cricket, o boxe, o futebol, o rugbi são produtos da sistematização levada a cabo pelas camadas mais ricas daquele país. O rugby e o futebol tiveram suas regras estabelecidas em meados do século XIX nas escolas burguesas de Rugby, Enton e outras. Estava implícita nesses projetos uma tentativa de "civilização" e "higienização" dessas atividades tradicionais. Tais esportes deveriam formar uma classe de homens viris e autoconfiantes, capazes de dirigir o país e suas colônias.
Essa obsessão pela higienização dos esportes tradicionais chegou ao Brasil no começo do século XX e foi aplicada à capoeira. Existem vários escritos, como os de Melo de Morais Filho e os de Aníbal Burlamaqui, citados por Líbano Soares na Capoeira Escrava, defendendo a criação de um esporte nacional. Tal esporte não poderia ser afro, deveria fazer parte de um projeto higienista, eugenista e embranquecedor do brasileiro.
É nesse contexto que o discurso da degeneração da vadiação baiana em presepada precisa ser enxergado. A vadiação tradicional praticada pela camadas populares nos intervalos de trabalho no porto, nos largos das igrejas nos dias de festa e nas reuniões de domingo ao lado dos botequins não se aplicava bem à idéia de um esporte genuinamente nacional.
A ginástica nacional dos mestres cariocas Zuma e Sinhozinho de Ipanema, sistematizada nos anos 1920 seguia essa linha higienista mais pronunciada. A capoeira regional do mestre Bimba segue uma linha diversa, mas influenciada por aquela outra, dado que tanto ele como seus alunos conheciam as regras sistematizadas por Zuma e compartilhavam, em alguma medida, do desejo de esportivização. O contato dos universitários de origem burguesa com mestre Bimba gerou um produto híbrido, uma concepção afro e popular de esporte que traçaria os rumos do desenvolvimento futuro da brincadeira.
Um abraço a todos,
Adriano "Moreno"
3 Comments:
Camarada Moreno! Interessante o olhar aguçado presente em suas crônicas sobre as temáticas cotidianas que perpassam nossa arte capoeira. Parabéns! Tomei a liberdade de indicar em link alguns textos, no endereço: www.capoeiraoxosse-panambi.blogspot.com . Este mesmo endereço contém link para alguns textos meus. Quem sabe podemos dialogar sobre os mesmos. Grande abraço. Paulinho (Panambi/RS).
Olá, gostei muito do texto e da reflexão. Não consegui "pescar" sua posição em relação a tudo isso e não sei se vc não quis se posicionar intencionalmente ou se eu é que ainda não estou familiarizada com seu estilo de escrita e com suas opiniões. Independente disso, gostei muito e espero que vc continue a escrever.
Aproveitando a oportunidade eu gostaria que vc visitasse meu blog e comentasse. É um estilo bem diferente do seu, mas estou tentando fazer algo legal. Sua critica é importante.
Desde já agradeço.
www.capoeiradevenus.blogspot.com
Olá Venusiana, com certeza visitarei o seu blog. Lendo de novo minha postagem, percebo que ela está um pouco confusa mesmo. Mas a idéia é a de que muitos dos biógrafos de mestre Bimba e historiadores da capoeira regional esquecem-se deliberadamente do projeto esportivizante que norteou Manoel dos Reis Machado e seus alunos, pelo menos durante os anos 30. Assim, a vadiação baiana vista pela capoeira regional estava decadente porque não incorporava o projeto desportivo. Esse contexto não aparece nos livros de caras como Muniz Sodré e nos documentários estilo "Bimba, a capoeira iluminada". Ao não considerar esse fato, os escritores acabam dando a entender que a degeneração da vadiação era absoluta e não relativa à visão do projeto da regional.
Postar um comentário
<< Home