Capoeira Regional: geração espontânea?
Outro dia estive num evento de capoeira aqui no DF onde assisti à palestra de uma grande figura da capoeira regional, um aluno de mestre Bimba reconhecido mundialmente como um de seus maiores herdeiros.
A palestra foi sobre a história da capoeira regional e foi muito interessante, inclusive com a exposição de fotos das academias de mestre Bimba em Salvador e em Goiânia (estas últimas, garimpadas por dois camaradas lá do Tocantins), das emboscadas e de eventos e apresentações promovidas pelo Mestre Bimba.
Porém, essa grande figura -- e parece que todos ligados à escola de Manoel dos Reis Machado -- expõem a história da capoeira regional como desligada da história da penetração do esporte e das lutas no Brasil. Por exemplo, hoje em dia, já sabemos que o projeto de transformação da capoeira numa Ginástica Nacional já existia no Rio de Janeiro pelo menos desde o começo do século XX e teve em Aníbal Burlamaqui (o Zuma) o seu principal sistematizador. Tal projeto é anterior ao da Luta Regional Baiana, de mestre Bimba, tendo sido uma das fontes de inspiração do velho mestre e de seus primeiros alunos. Inclusive o próprio nome "Regional" teria a ver não só com com a contraposição ao nome "Capoeira Angola" mas também, e principalmente, ao "Nacional" da capoeiragem de Zuma.
Outro exemplo, sabe-se que mestre Bimba deu aulas no Curso de Preparação de Oficiais do Exército de Salvador. Seria possível que ele não tenha sofrido infuência da concepção higienista da educação física presente no meio militar brasileiro naquela época? Parece que o próprio curso de emboscadas surgiu como uma adaptação de exercícios militares.
Negar esses dois fatos é ignorar que as invenções não surgem do nada, que os verdadeiros criadores estão sempre dialogando com heranças de outros tempos e espaços. Enfatizar a originalidade da capoeira regional sem citar referências ao meio esportivo dentro do qual ela surgiu não permite que nos aproximemos do lado humano de um gênio como mestre Bimba, pois apaga o fato de que ele estava a par de muitas das inovações esportivas da época e interpretou-as segundo uma lógica muito particular de um membro das classes populares brasileiras de cultura afro, realizando, assim, um trabalho criativo singular.
Ao diminuir o papel da ginástica nacional da história da capoeira regional, aquele mestre estabelece que haveria uma "pureza" na criação desse estilo. E através desse discurso, tal mestre se coloca como uma espécie de guardião da regional, função que justificaria o seu prestígio no meio da capoeira. Seu discurso é, assim, uma forma de manter e exercer seu poder não só sobre outros mestres e alunos -- que o convidam para dar palestras em seus batizados -- mas também sobre qualquer pessoa que busca conhecer mais a fundo a história da capoeira.
A palestra foi sobre a história da capoeira regional e foi muito interessante, inclusive com a exposição de fotos das academias de mestre Bimba em Salvador e em Goiânia (estas últimas, garimpadas por dois camaradas lá do Tocantins), das emboscadas e de eventos e apresentações promovidas pelo Mestre Bimba.
Porém, essa grande figura -- e parece que todos ligados à escola de Manoel dos Reis Machado -- expõem a história da capoeira regional como desligada da história da penetração do esporte e das lutas no Brasil. Por exemplo, hoje em dia, já sabemos que o projeto de transformação da capoeira numa Ginástica Nacional já existia no Rio de Janeiro pelo menos desde o começo do século XX e teve em Aníbal Burlamaqui (o Zuma) o seu principal sistematizador. Tal projeto é anterior ao da Luta Regional Baiana, de mestre Bimba, tendo sido uma das fontes de inspiração do velho mestre e de seus primeiros alunos. Inclusive o próprio nome "Regional" teria a ver não só com com a contraposição ao nome "Capoeira Angola" mas também, e principalmente, ao "Nacional" da capoeiragem de Zuma.
Outro exemplo, sabe-se que mestre Bimba deu aulas no Curso de Preparação de Oficiais do Exército de Salvador. Seria possível que ele não tenha sofrido infuência da concepção higienista da educação física presente no meio militar brasileiro naquela época? Parece que o próprio curso de emboscadas surgiu como uma adaptação de exercícios militares.
Negar esses dois fatos é ignorar que as invenções não surgem do nada, que os verdadeiros criadores estão sempre dialogando com heranças de outros tempos e espaços. Enfatizar a originalidade da capoeira regional sem citar referências ao meio esportivo dentro do qual ela surgiu não permite que nos aproximemos do lado humano de um gênio como mestre Bimba, pois apaga o fato de que ele estava a par de muitas das inovações esportivas da época e interpretou-as segundo uma lógica muito particular de um membro das classes populares brasileiras de cultura afro, realizando, assim, um trabalho criativo singular.
Ao diminuir o papel da ginástica nacional da história da capoeira regional, aquele mestre estabelece que haveria uma "pureza" na criação desse estilo. E através desse discurso, tal mestre se coloca como uma espécie de guardião da regional, função que justificaria o seu prestígio no meio da capoeira. Seu discurso é, assim, uma forma de manter e exercer seu poder não só sobre outros mestres e alunos -- que o convidam para dar palestras em seus batizados -- mas também sobre qualquer pessoa que busca conhecer mais a fundo a história da capoeira.
2 Comments:
Observações muito interessantes...
Diga-se de passagem que a sistematização da capoeira promovida pelo mestre Pastinha, denominada capoeira angola, também se apoiou no discurso da esportivização. Não foi à toa que a academia daquele mestre, criada em 1941, foi batizada de Centro Esportivo de Capoeira Angola. É claro que a concepção de esporte de Bimba -- e talvez mais ainda a de Pastinha -- foram interpretações singulares da concepção européia e burguesa nas quais se inspirava o projeto da Ginástica Nacional de Zuma. Basta ler os escritos de Pastinha e os testemunhos dos alunos de Bimba para perceber isso.
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