sexta-feira, maio 25, 2012

Mestre Pastinha e os balões

Escrevo essa postagem para comentar um vídeo datado dos anos 50, que pode ser acessado no endereço http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=FCtq7C2_7fU, mostrando mestre Pastinha e alguns de seus alunos executando alguns movimentos de capoeira, entre eles os balões cinturados, associados ao estilo regional de mestre Bimba.

É realmente emocionante ver uma lenda da brincadeira fazendo alguns movimentos básicos da capoeira angola -- ginga, aú, cabeçada, meia-lua de compasso, rolê e balões. E, além dessa demonstração de movimentos, ainda assistir a um pequeno jogo entre dois camaradas que não consegui identificar (achei muito bonito, pela fluidez, o jogo daquele que estava de chapéu). Mas, além disso, duas coisas chamam a atenção no vídeo: a execução de balões e o fato de mestre Pastinha, assim como mestre Bimba, pegar na mão do aluno para ensiná-lo a gingar.

O assunto dos balões dá muito pano pra manga, e penso que as imagens que vimos nos permitem raciocinar em duas direções: ou os balões faziam parte do repertório de técnicas corporais da capoeira anterior aos estilos angola e regional – que chamamos de vadiação baiana -- ou houve influência da capoeira regional sobre mestre Pastinha.

Vou começar considerando a primeira hipótese. Não conheço relatos de praticantes da vadiação dando conta da existência dos balões nas rodas dos velhos tempos, mas não estranharia se aparecesse algum. Isso porque, apesar das diferenças de seus estilos, Bimba e Pastinha compartilharam de um ambiente social e cultural comum e suas respectivas escolas têm mais semelhanças do que seus discípulos gostariam de admitir. Por exemplo, ambas foram respostas aos projetos elitistas de esportização formulados no começo do século XX; ambas tiveram que lidar com a ideologia varguista contrária à malandragem; ambos os mestres tiveram contato com as várias técnicas corporais, as várias formas de se compor a bateria e os vários contextos em que se jogava capoeira na primeira metade do século XX: nas festas religiosas nos adros das igrejas, no lazer dominical dos bairros periféricos, nos intervalos de trabalho do cais do porto.

Ambos os mestres responderam ao mesmo desafio de criar novas tradições, rompendo com a vadiação: passaram a ensinar em ambiente fechado, criaram métodos de ensino para alunos não acostumados com os movimentos da vadiação, estabeleceram graduação e cursos de formação, formataram as respectivas baterias de suas rodas, desenvolveram seus respectivos estilos em diálogo com intelectuais -- embora a posição de mestre lhes fornecesse o papel principal no processo de ensino-aprendizagem.

Segundo estudiosos como Pedro Abib, os velhos mestres da vadiação baiana também teriam compartilhado de uma espécie de método de ensino não-codificado ligado a uma visão de mundo afro-brasileira: a pedagogia do africano. Ela podia fazer uso dos mais variados métodos, mas seu objetivo principal seria inserir o aluno numa realidade maior, transformando-o em mais um elo na tradição da capoeira: tais mestres não se contentariam em simplesmente ensinar movimentos, mas em inserir seus discípulos numa corrente de ancestralidade cujo repositório era o corpo. Essa ancestralidade era transmitida através do que Abib chama de hálito do mestre.

É claro que não se trata de hálito no sentido literal, mas de um veículo invisível capaz de transportar o princípio imutável e ancestral da capoeira para o aluno. Por exemplo, ensinar o aluno a gingar pegando em sua mão seria uma forma de manifestação desse hálito, um meio de introduzir o aluno em toda uma visão de mundo manifestada no corpo. Parece que muitos dos alunos de mestre Bimba sentiam esse hálito, basta ver a forma como eles se referem ao seu primeiro contato com a capoeira pelas mãos do mestre. E parece também que mestre Pastinha também utilizava-se do mesmo gesto, que tinha um significado iniciatório.

Por outro lado, o fato de a capoeira regional ter obtido maior visibilidade que a angola nos anos 40 e 50 pode ter levado mestre Pastinha a introduzir o ensino dos balões em sua academia como forma de competir com a escola de mestre Bimba, e essa seria uma outra explicação para a adoção dos balões. Nos anos 50, era bem possível que a regional fosse o parâmetro para as outras academias, entre elas, o Centro Esportivo de Capoeira Angola de mestre Pastinha. Lembremo-nos de que o prestígio da luta regional baiana estava em alta na época: não foi à toa que mestre Bimba foi escolhido para fazer a apresentação ao então presidente da república Getúlio Vargas em 53. Os demais mestres de capoeira parecem ter reagido de maneira diferente à maior visibilidade da regional: se mestre Pastinha parece ter seguido o caminho da emulação, Caiçara mostrou ressentimento: é assim que interpreto o desafio que ele fez a mestre Bimba também nos anos 50.

Na década seguinte, a competição entre os capoeiristas tornar-se-ía mais acirrada: é Waldeloir Rego que chama atenção para a acentuada rivalidade que existia entre os mestres nos anos 60, num contexto em que os órgãos de turismo do estado da Bahia incentivavam as demonstrações de capoeira.

Aliás, foi justamente nesse contexto de grande competição entre as academias de capoeira nos anos 60 que mestre Pastinha atingiu o auge de seu prestígio e visibilidade, como nos informa Simone Vassalo. Esse fenômeno foi possível, em grande parte, pela proximidade do mestre com intelectuais entusiastas da influência africana no Brasil, como Jorge Amado, e com autoridades ligadas ao governo baiano. Um marco desse período foi a viagem para o festival de Artes Negras no Senegal em 1966. Uma maior aproximação do mestre com a África acontece nesse período, por exemplo: é nessa época que ele passa a fazer referências ao parentesco entre a capoeira e a angolana "dança da zebra", ou n'golo. Paralelamente, a capoeira regional continuava ligada ao universo das lutas e da “porrada urbana” entre adolescentes, como escreve Muniz Sodré.

O que quero dizer é que, se por um lado a associação entre a África e a capoeira angola correspondia a convicções do mestre Pastinha, por outro, tinha o efeito prático de criar um nicho que poderia lhe prover com algum benefício simbólico e material. Isso pode explicar o maior afastamento entre angola e regional que se verifica nos anos 60 e o consequente abandono dos balões: o Centro Esportivo de Capoeira Angola havia encontrado um caminho próprio e não precisava mais seguir o modelo de outras academias. É uma hipótese a ser confirmada.

Um abraço, camaradas, e até a próxima.

Adriano

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Adriano, legal o texto. Vc ficou muito tempo sem postar!...

A questão dos balões na Angola, até hoje o pessoal ligado ao M. Pastinha ainda pratica. Ms. Jogo de Dentro, cobrinha, Valmir etc praticam o balão, via de regra na saida das chamadas.

Mas são formas diferentes de projeção, isto é, diferentes da regional.

Talvez eu vá a BSB no evento do M. Alex Carcará 15/16 dejunho. Vamos marcar de conversar! Abração meu amigo.
AsaDelta

10:10 AM  
Blogger Unknown said...

Camarada Adriano,

Tema interessante... mas reforçando o que o AsaDelta disse, encaminho link do jogo de Mestre Cabello (linha Mestre João Grande), aplicando os "balões" na saída da chamada de angola, no jogo com o Mestre Glauber, que apesar de não ser angoleiro teve o conhecimento em saber das projeções...
http://www.youtube.com/watch?v=8ep84DvxvPU

Abração,

Raphael Cego

2:22 PM  
Blogger Unknown said...

Mais dois jogos entre o Mestre Cobra Mansa e Mestre Cabello, onde aplicam algumas projeções...

http://www.youtube.com/watch?v=MnXg685tmk4&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=wdmQKCzd6cs&feature=related

2:36 PM  

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