O homem que engarrafava nuvens
Assisiti ontem no cineclube dos bancários o documentário "O homem que engarrafava nuvens", dirigido por Lírio Ferreira, que conta a biografia de Humberto Teixeira, o "doutor do baião", responsável, junto com Luiz Gonzaga pela estilização e popularização do ritmo nordestino.Mas esta postagem não é sobre o filme, é sobre uma inspiração que ele me deu. É que, nele, percebi a tradução em imagens daquele "salto de tigre que o passado faz sobre o presente" de que fala Benjamin em suas teses sobre a história.
Quando a internacionalização do baião é abordada, lá pelo terço final do filme, o diretor mostra imagens antigas de Caetano Veloso no exílio cantando a versão de "Asa Branca" que ele havia recém-gravado. Ouvimos Caetano executando a música de forma bem arrastada e no final da música soltando alguns grunhidos e gemidos. Logo depois, a câmera volta para os dias atuais, quando o cantor comenta sua gravação e explica que tais gemidos eram referência à voz dos cegos nordestinos que cantavam nas feiras pedindo dinheiro.
Ora, essa seria a origem mesma do baião: os desafios dos repentistas, o cantar dos cegos nas feiras, o tocador de rabeca que veio da Península Ibérica. Se Humberto Teixeira e Gonzagão adaptaram essa origem, imagem sonora, ao meio urbano brasileiro, Caetano utilizou-a para exprimir o exílio numa cidade européia. É a partir dessa seqüência que o filme apresenta a idéia de que o baião é universal. Em seguida, vemos Otto comaparando a parceria Teixeira e Gonzagão com uma explosão que tomou o mundo -- e nesse ponto o diretor foi muito feliz ao sincronizar a voz do cantor com as imagens de um cogumelo atômico no deserto.
Percebemos então que, se duas interpretações podem ser feitas sobre o baião, correspondentes a diferentes contextos, gerando diferentes significados, então várias outras podem ser feitas: a de David Byrne cantando "Asa Branca" em inglês e relacionando-a à migração dos americanos pobres para a Califórnia, a da cantora japonesa que canta "Paraíba masculina" em sua língua, a de Bebel Gilberto cantando "Juazeiro" com uma pitada de bossa nova. O baião, assim, conhece uma nova explosão, podendo ser interpretado por vários artistas em todos os lugares do mundo segundo suas diversas condições de vida.
Mas o que esta postagem sobre o baião está fazendo num blog dedicado à capoeira?
É que o mesmo se passa com a vadiação: segundo Assunção, ela hoje está ligado ao estilo de vida "cool" associado ao capitalismo avançado nos países da Europa; mas ela também está associada ao afrocentrismo dos militantes negros dos EEUU; ou à somaterapia; ou ao turismo e à exposição dos estereótipos sobre os brasileiros e por aí vai.
Como diria Benjamin, o historiador não deve fechar os olhos para nenhum fato do passado, pois todos eles podem romper com o continuum temporal para fazer sentido num outro presente carregado de contradições. Ou como afirma Veyne, tudo é histórico, todos os fatos históricos estão enredados em inúmeras tramas que só podem ser descobertas pelo historiador atento a elas.
Quando a internacionalização do baião é abordada, lá pelo terço final do filme, o diretor mostra imagens antigas de Caetano Veloso no exílio cantando a versão de "Asa Branca" que ele havia recém-gravado. Ouvimos Caetano executando a música de forma bem arrastada e no final da música soltando alguns grunhidos e gemidos. Logo depois, a câmera volta para os dias atuais, quando o cantor comenta sua gravação e explica que tais gemidos eram referência à voz dos cegos nordestinos que cantavam nas feiras pedindo dinheiro.
Ora, essa seria a origem mesma do baião: os desafios dos repentistas, o cantar dos cegos nas feiras, o tocador de rabeca que veio da Península Ibérica. Se Humberto Teixeira e Gonzagão adaptaram essa origem, imagem sonora, ao meio urbano brasileiro, Caetano utilizou-a para exprimir o exílio numa cidade européia. É a partir dessa seqüência que o filme apresenta a idéia de que o baião é universal. Em seguida, vemos Otto comaparando a parceria Teixeira e Gonzagão com uma explosão que tomou o mundo -- e nesse ponto o diretor foi muito feliz ao sincronizar a voz do cantor com as imagens de um cogumelo atômico no deserto.
Percebemos então que, se duas interpretações podem ser feitas sobre o baião, correspondentes a diferentes contextos, gerando diferentes significados, então várias outras podem ser feitas: a de David Byrne cantando "Asa Branca" em inglês e relacionando-a à migração dos americanos pobres para a Califórnia, a da cantora japonesa que canta "Paraíba masculina" em sua língua, a de Bebel Gilberto cantando "Juazeiro" com uma pitada de bossa nova. O baião, assim, conhece uma nova explosão, podendo ser interpretado por vários artistas em todos os lugares do mundo segundo suas diversas condições de vida.
Mas o que esta postagem sobre o baião está fazendo num blog dedicado à capoeira?
É que o mesmo se passa com a vadiação: segundo Assunção, ela hoje está ligado ao estilo de vida "cool" associado ao capitalismo avançado nos países da Europa; mas ela também está associada ao afrocentrismo dos militantes negros dos EEUU; ou à somaterapia; ou ao turismo e à exposição dos estereótipos sobre os brasileiros e por aí vai.
Como diria Benjamin, o historiador não deve fechar os olhos para nenhum fato do passado, pois todos eles podem romper com o continuum temporal para fazer sentido num outro presente carregado de contradições. Ou como afirma Veyne, tudo é histórico, todos os fatos históricos estão enredados em inúmeras tramas que só podem ser descobertas pelo historiador atento a elas.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home