Recôncavo ou recôndito
Mestre Pombo de Ouro sempre nos conta uma história engraçada sobre a forma como uma antiga aluna manifestou o alto apreço que sentia por ele:" Mestre, o senhor mora no recôncavo do meu coração!" -- e o mestre, sempre muito espirituoso, teria corrigido a moça, dizendo -- "Não seria recôndito, minha filha?".
De minha parte, sempre achei que o "erro" na declaração de apreço da aluna continha algo mais profundo, que só agora percebi: no universo simbólico da capoeira, o Recôncavo Baiano ocupa um lugar mítico, pois foi ali que se originou algo que reputamos não só como uma luta ou um folguedo, mas como uma visão de mundo que se manifesta através do corpo. Sendo assim, a substituição de recôndito por recôncavo é um ato falho que demonstra toda a adoração que essa moça sentia pelo mestre: ela liga sua admiração e respeito a um lugar de imenso valor simbólico para o praticante de capoeira.
Mas queria também chamar atenção nessa postagem para o fato de que nossos sentimentos são também historicamente construídos. A moça não disse, por exemplo: " Mestre, o senhor ocupa uma lapa do meu coração." Para os capoeiristas de hoje, a Lapa carioca possui uma força simbólica menor que a do Recôncavo. Isso chama a nossa atenção para o fenômeno do apagamento da memória da capoeira carioca, referido pela socióloga Letícia Reis e pelo estudioso André Lacê.
E hoje isso é ponto pacífico nos estudos de capoeira: houve, sim, uma disputa entre os modelos baiano e carioca, disputa na qual o primeiro levou vantagem sobre o segundo -- seja por estar organicamente vinculado à fonte de vitalidade que era a cultura popular de Salvador, seja por ter estado em condições de lidar melhor com diversos contextos culturais e assim ter se adaptado às várias exigências que lhe faziam: ser um esporte nacional, ser uma manifestação folclórica, ser um folguedo ou (nos anos 60) ser uma forma de a própria classe média carioca procurar autenticidade e liberdade num momento marcado pelo autoritarismo, e por aí vai.
De minha parte, sempre achei que o "erro" na declaração de apreço da aluna continha algo mais profundo, que só agora percebi: no universo simbólico da capoeira, o Recôncavo Baiano ocupa um lugar mítico, pois foi ali que se originou algo que reputamos não só como uma luta ou um folguedo, mas como uma visão de mundo que se manifesta através do corpo. Sendo assim, a substituição de recôndito por recôncavo é um ato falho que demonstra toda a adoração que essa moça sentia pelo mestre: ela liga sua admiração e respeito a um lugar de imenso valor simbólico para o praticante de capoeira.
Mas queria também chamar atenção nessa postagem para o fato de que nossos sentimentos são também historicamente construídos. A moça não disse, por exemplo: " Mestre, o senhor ocupa uma lapa do meu coração." Para os capoeiristas de hoje, a Lapa carioca possui uma força simbólica menor que a do Recôncavo. Isso chama a nossa atenção para o fenômeno do apagamento da memória da capoeira carioca, referido pela socióloga Letícia Reis e pelo estudioso André Lacê.
E hoje isso é ponto pacífico nos estudos de capoeira: houve, sim, uma disputa entre os modelos baiano e carioca, disputa na qual o primeiro levou vantagem sobre o segundo -- seja por estar organicamente vinculado à fonte de vitalidade que era a cultura popular de Salvador, seja por ter estado em condições de lidar melhor com diversos contextos culturais e assim ter se adaptado às várias exigências que lhe faziam: ser um esporte nacional, ser uma manifestação folclórica, ser um folguedo ou (nos anos 60) ser uma forma de a própria classe média carioca procurar autenticidade e liberdade num momento marcado pelo autoritarismo, e por aí vai.
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