Tem paulista na roda!
Hoje de manhã fui a outra roda aqui em Brasília em que estava presente um pessoal de São Paulo. Se já existem diferenças na capoeira dos diversos grupos dentro do Distrito Federal, as diferenças interestaduais são maiores ainda. A começar pelo repertório de cantigas e pelo estilo delas. As cantigas daquele grupo de São Paulo são bem mais rápidas, o cantador quase não consegue respirar quando o ritmo é o São Bento Grande da Regional e esse ritmo exige uma aceleração muito grande do jogo.
Pessoalmente, não gosto muito dessa aceleração, pois fica mais difícil de distinguir o toque do berimbau e os repiques executados pelo tocador -- as sutilezas da música ficam em segundo plano. A esse tipo de toque corresponde um jogo mais competitivo, veloz e atlético, ficando prejudicadas a ludicidade e a cooperação frente à malícia e à competição.
Lowell Lewis, um antropólogo americano, escreveu que nos estilos mais lúdicos e cooperativos da capoeira -- principalmente na angola ligada aos velhos mestres -- a música tende a ser mais bem trabalhada, isso porque ela responde justamente pelo componente da roda regido pelo princípio da camaradagem, onde a malícia é prejudicial. Isso é fácil de entender, imagine o leitor se numa bateria os berimbaus tentassem enganar um ao outro e a todos os demais instrumentos, mudando de ritmo e de toque e repicando freqüentemente. A roda viraria uma confusão.
Para o Lewis, as rodas onde o princípio da competição impera sobre o da ludicidade tendem a possuir uma parte musical mais pobre, pois o princípio da cooperação está enfraquecido nesse contexto.
Mudando um pouco de assunto: outra observação interessante é que, dentre as músicas cantadas pelos paulistanos, estava uma que falava da onça pintada e do macaco velho que não pisa no chão para evitar ser pego por ela. Pensei comigo: um paulistano cantando música de floresta e de animais selvagens! E ele vem justamente de onde eles não existem mais! Parece que a capoeira na pós-modernidade conhece o fortalecimento dessa sua associação com a natureza, com um mundo que está fora da complexidade da vida atual. A busca de um refúgio das incertezas da globalização está presente nas cantigas da brincadeira.
É isso, por hoje é só.
1 Comments:
Interessante é que, nesse mesmo dia, escutei de uma mulher na platéia que os capoeiristas da terra dela eram magrinhos, diferentemente dos que ela estava vendo na roda. É como se ênfase na performance atlética e a perda da sutileza do jogo caminhasse junto com a aceleração do ritmo e a perda das sutilezas musicais.
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