Sobre a iúna
Camaradas, retomando o assunto das interpretações que os grupos atuais fazem da capoeira regional, escrevo sobre a iúna.
Como todos sabemos, a iúna era o jogo exclusivo dos formados de mestre Bimba. Durante a sua realização, eles deviam soltar os balões da cintrua desprezada, mostrando o entrosamento obtido durante anos de treinamento. Tal jogo era regido pelo toque de mesmo nome e vinha sempre depois do jogo de São Bento Grande da Regional.
* * *
Parênteses:
Uma característica importante das rodas do mestre Bimba é que era ele quem escolhia a dupla que iria jogar. Esse detalhe é interessante, pois mostra que Manoel dos Reis Machado não deixava a roda “rolar solta”, havendo um critério para a formação dos pares. Nessa hora, há relatos de que o mestre considerava até o temperamento dos alunos, de modo que um camarada mais adiantado jogava com outro, iniciante; ou que um aluno muito afobado e violento nunca jogaria com um discípulo inexperiente. Um jogo mais duro era permitido entre alunos mais adiantados e a compra de jogo não era praxe ou só acontecia a mando do mestre e se não houvesse um número par de alunos.
Essa observação do aluno por inteiro -- não só de sua técnica, mas também de seu temperamento -- parece ter a ver com a tradicional “pedagogia do africano”, onde a relação mestre-aluno era muito valorizada, aquele sendo responsável pela transmissão do que se reputava como um ensinamento ancestral.
* * *
Assim, o jogo de iúna acontecia no final da roda e as duplas eram compostas por alunos formados, também escolhidos pelo mestre e que geralmente formavam duplas fixas de treinamento. Havia a obrigatoriedade de se soltar os balões da cintura desprezada. Não havia canto e nem palmas e só havia um berimbau e um pandeiro a tocar, como manda a regional.
O nome do toque é tirado de um pássaro brasileiro que, acreditava-se, possuía poderes mágicos. Seria composto de duas partes: uma simbolizaria o canto da iúna macho e a outra a resposta da iúna fêmea. Chega a lembrar aquela concepção pastiniana da capoeira positiva e combativa e da capoeira negativa e defensiva.
* * *
Recentemente, fiquei sabendo que existe um toque de viola caipira chamado iúna. Teria alguma coisa a ver com o toque da capoeira? Será que a coincidência de nomes por si só não mostraria a absorção de elementos da cultura popular pela cultura afro-brasileira?
Cada vez sei menos coisas sobre capoeira...
* * *
Hoje em dia, talvez por ter nascido associado à maestria, o toque de iúna marca um momento especial e solene de uma roda. Alguns grupos começam sua brincadeira com tal toque, acompanhado por palmas mas sem canto e utilizando os três berimbaus. Segundo eles, é um ritual para lembrar dos velhos mestres da vadiação.
Também já presenciei a iúna ser tocada em funerais e missas de corpo presente de mestres falecidos. Recentemente, houve uma “roda fúnebre” aqui em Brasília, aberta com iúna.
Outros grupos aproveitam-se do fato de o toque de iúna ter sido criado para dar ensejo a um jogo plástico, e acabam utilizando-o para reger um jogo de apresentação individual durante suas exibições. Assim, durante o toque de iúna apenas um capoeirista realiza movimentos acrobáticos no centro da roda ao som dos berimbaus. Sem canto mas com palmas.
Em outras adaptações, aproveita-se que o toque está associado ao jogo dos alunos formados por mestre Bimba, executando-se o mesmo quando da formatura de um contra-mestre. Não existe a obrigatoriedade dos balões, o jogo deve ter movimentos acrobáticos e prezar a plasticidade. Também só jogam os mestres do grupo.
* * *
É isso aí. Para terminar, lembro que minha intenção ao descrever as adaptações não tem a ver com determinar o que é o certo ou o que é o errado. Procuro apenas mostrar como os grupos contemporâneos reinterpretam as tradições inventadas na época das primeiras sistematizações do brinquedo. É claro que tais adaptações correspondem a realidades e épocas diferentes, tendo sua razão de ser, devendo existir várias outras por esse mundo afora.
Como todos sabemos, a iúna era o jogo exclusivo dos formados de mestre Bimba. Durante a sua realização, eles deviam soltar os balões da cintrua desprezada, mostrando o entrosamento obtido durante anos de treinamento. Tal jogo era regido pelo toque de mesmo nome e vinha sempre depois do jogo de São Bento Grande da Regional.
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Parênteses:
Uma característica importante das rodas do mestre Bimba é que era ele quem escolhia a dupla que iria jogar. Esse detalhe é interessante, pois mostra que Manoel dos Reis Machado não deixava a roda “rolar solta”, havendo um critério para a formação dos pares. Nessa hora, há relatos de que o mestre considerava até o temperamento dos alunos, de modo que um camarada mais adiantado jogava com outro, iniciante; ou que um aluno muito afobado e violento nunca jogaria com um discípulo inexperiente. Um jogo mais duro era permitido entre alunos mais adiantados e a compra de jogo não era praxe ou só acontecia a mando do mestre e se não houvesse um número par de alunos.
Essa observação do aluno por inteiro -- não só de sua técnica, mas também de seu temperamento -- parece ter a ver com a tradicional “pedagogia do africano”, onde a relação mestre-aluno era muito valorizada, aquele sendo responsável pela transmissão do que se reputava como um ensinamento ancestral.
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Assim, o jogo de iúna acontecia no final da roda e as duplas eram compostas por alunos formados, também escolhidos pelo mestre e que geralmente formavam duplas fixas de treinamento. Havia a obrigatoriedade de se soltar os balões da cintura desprezada. Não havia canto e nem palmas e só havia um berimbau e um pandeiro a tocar, como manda a regional.
O nome do toque é tirado de um pássaro brasileiro que, acreditava-se, possuía poderes mágicos. Seria composto de duas partes: uma simbolizaria o canto da iúna macho e a outra a resposta da iúna fêmea. Chega a lembrar aquela concepção pastiniana da capoeira positiva e combativa e da capoeira negativa e defensiva.
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Recentemente, fiquei sabendo que existe um toque de viola caipira chamado iúna. Teria alguma coisa a ver com o toque da capoeira? Será que a coincidência de nomes por si só não mostraria a absorção de elementos da cultura popular pela cultura afro-brasileira?
Cada vez sei menos coisas sobre capoeira...
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Hoje em dia, talvez por ter nascido associado à maestria, o toque de iúna marca um momento especial e solene de uma roda. Alguns grupos começam sua brincadeira com tal toque, acompanhado por palmas mas sem canto e utilizando os três berimbaus. Segundo eles, é um ritual para lembrar dos velhos mestres da vadiação.
Também já presenciei a iúna ser tocada em funerais e missas de corpo presente de mestres falecidos. Recentemente, houve uma “roda fúnebre” aqui em Brasília, aberta com iúna.
Outros grupos aproveitam-se do fato de o toque de iúna ter sido criado para dar ensejo a um jogo plástico, e acabam utilizando-o para reger um jogo de apresentação individual durante suas exibições. Assim, durante o toque de iúna apenas um capoeirista realiza movimentos acrobáticos no centro da roda ao som dos berimbaus. Sem canto mas com palmas.
Em outras adaptações, aproveita-se que o toque está associado ao jogo dos alunos formados por mestre Bimba, executando-se o mesmo quando da formatura de um contra-mestre. Não existe a obrigatoriedade dos balões, o jogo deve ter movimentos acrobáticos e prezar a plasticidade. Também só jogam os mestres do grupo.
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É isso aí. Para terminar, lembro que minha intenção ao descrever as adaptações não tem a ver com determinar o que é o certo ou o que é o errado. Procuro apenas mostrar como os grupos contemporâneos reinterpretam as tradições inventadas na época das primeiras sistematizações do brinquedo. É claro que tais adaptações correspondem a realidades e épocas diferentes, tendo sua razão de ser, devendo existir várias outras por esse mundo afora.
1 Comments:
Fala Moreno. Costumo ler seu blog, mas nunca comentei. Sobre o toque de viola, já tive oportunidade de ler uma entrevista de Mestre Nenel, filho de Mestre Bimba, dizendo que seu pai era tocador de viola e baseou-se nesse toque para compor nossa conhecida Iuna do berimbau. Um abraço.
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