Capoeira Benguela
Camaradas, no ano passado assiti a uma palestra sobre capoeira angola promovida por um jovem mestre dissidente de uma grande entidade e, segundo suas palavras, representante de uma linhagem particular do brinquedo de angola. A intenção desse encontro era criar laços entre angoleiros-- ou simpatizantes-- brasilienses e o grupo que ele estava criando.
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Parênteses: isso chama atenção também para um aspecto do nosso meio que às vezes é visto de forma muito ingênua por nós mesmos: a formação de novos grupos ou estilos. Na verdade, eles surgem de conflitos "humanos, demasiado humanos" que envolvem prestígio, desavenças pessoais entre mestres e até disputa por verbas públicas para o financiamento de projetos.
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Voltando à palestra, lembro que cada um dos ouvintes foi instado a dizer qual estilo de capoeira praticava. "Angola", disse a maioria. "Regional", outros responderam; houve até quem dissesse "Contemporânea" -- ainda que com algum receio de ser ridicularizado. Mas a resposta que surpreendeu a todos foi: "Benguela".
O rapaz que respondeu assim era um jovem professor que dá aulas para crianças aqui no entorno do Distrito Federal e parecia ser muito envolvido no que fazia, tendo inclusive mostrado boas idéias quando pedia a palavra para falar.
Quando saí da palestra fiquei pensando no que deve ter levado aquele professor a "fundar" um novo estilo na vadiação. A coisa deve ter acontecido assim: aborrecido e decepcionado com a violência de certos grupos associados aos estilos chamados Regional ou Contemporâneo, ele teve vontade de se transformar em angoleiro. Não sendo aceito no meio da capoeira angola, o professor optou por uma solução interessante.
Sabemos que a estilização do toque de benguela da capoeira regional e de um tipo de jogo hipoteticamente associado a ele vêm sendo promovidos por um grande grupo já há alguns anos. Isso acabou correspondendo a anseios do "mercado capoeirístico": uma maior ludicidade dentro do campo da "regional-contemporânea" e uma resposta ao fechamento de muitos grupos de angola. Então aquele professor escolheu esse toque-estilo de jogo que combinavam com a sua postura dentro da roda para designar o estilo da capoeira que ele ensina.
Vejam como é que as coisas funcionam: se ele tivesse obtido o reconhecimento de um grupo de angola, ele hoje se diria angoleiro. Se tivesse feito contato com grupos de regional ou contemporânea que prezassem mais a ludicidade do jogo, hoje seria a um desses "estilos" que ele estaria filiado.
A escolha desse professor não deixa de mostrar a criatividade existente dentro do nosso meio e também o modo como a disputa por prestígio influencia o desenvolvimento da brincadeira. Se ele tivesse um maior reconhecimento dentro do meio e estivesse mais bem relacionado, provavelmente surgiria um novo estilo na vadiação.
Moreno
2 Comments:
E aí Moreno, blz?
Topei com seu blog por acaso, e três textos que li, já achei muito interessante. Quando tiver mais tempo dou uma olhada no resto.
Achei bem legal vc ter tocado no tema da benguela e acho que sei a qual grande grupo vc se refere.
Estou a pouco tempo na capoeira (apenas 2 anos e meio), mas já corri atrás de bastante literatura e é engraçado nunca ter lido nada sobre a benguela (a não ser a respeito do toque). Então, ficamos de mãos atadas (pelo menos eu fico), em termos de tradição quando falamos do jogo de benguela.
Um fato é que tal benguela estilizada vem se espalhando entre vários grupos (alguns já chamam de "Saroba" quem não o faz), de modo que realmente se torna um contra-ponto na roda (pelo menos em muitas já se nota isso), juntando-se a angola e regional.
Eu confesso que prefiro jogar benguela (talvez eu seja um bengueleiro, como o professor que vc cita), já que ela apresenta um jogo mais dentro e estudado (como a angola), mas ao mesmo tempo dá uma dinâmica maior a roda, permitindo alunos iniciantes, como eu, fazerem seus jogos também (assim como na regional, faz-se um jogo mais de compra).
Se vc conhecer algum material histórico referente a benguela, vc podia divulgar aí pra nós.
Inté, Valdinei
Camarada Valdinei, também não tenho muitas referências históricas sobre a benguela. Mas deduzo que um jogo correspondente a esse toque é invenção recentíssima por uma pista: o trabalho de mestre Bimba parece ter se concentrado na criação de seqüências de ensino para a capoeira regional em geral, nos balões para o jogo de iúna e as emboscadas para o curso avançado; ou seja, parece que não havia seqüências de ensino específicas para o toque de benguela, como há hoje. Se havia, devia ser algo de importância reduzida, já que o jogo de benguela aparece muito pouco nas referências de alunos do mestre.
Na minha pequena experiência de capoeirista (15 anos), presenciei a explosão desse estilo há pouco tempo e por intermédio de megagrupos do Rio de Janeiro.
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