Mestre Bimba, Pelé e Michael Jordan
Senhores, não pretendo esconder de ninguém que me inspiro em nomes famosos da crônica desportiva para escrever minhas postagens. Nelson Rodrigues, Tostão e Juca Kfouri são alguns de meus modelos, pois sei que muitas das coisas que acontecem no meio do futebol -- na verdade de todos os esportes -- também acontecem, em algum grau no meio capoeirístico.
Dito isso, passo à crônica de hoje. Estive num batizado semana passada onde foi discutida a questão dos apelidos na capoeira. Um determinado mestre se mostrou indignado com o batismo de novos "Bimbas", "Pombos", "Deputados", "Aberrês" e outros nomes de mestres famosos e históricos. Em contraposição, um professor disse que não via nada de mais em querer homenagear a memória de um personagem importante da capoeira batizado um de seus alunos com seu nome.
Acontece que essa é uma questão insolúvel que envolve uma característica determinante do esporte: a sacralização de seus ídolos. De que forma os craques do passado devem se lembrados: pela sua constante evocação e pela espera por algo que seria a sua volta ou pela ênfase na sua singularidade e na nossa eterna orfandade?
Cada uma dessas formas de responder a tal dilema é adotada em esportes como o basquete ou o futebol.
No basquetebol americano, os times costumam aposentar os números das camisas que foram usadas pelos seus maiores jogadores. Dessa maneira, o nº23 do Chicago Bulls, que pertenceu ao fenomenal Michael Jordan, não poderá mais ser utilizado por nenhum jogador daquele time, bem como o 32 do Los Angeles Lakers, associado definitivamente a Magic Johnson. A ênfase é na singularidade do mito.
Por outro lado, no futebol, essa aposentadoria da camisa do craque não foi adotada. E nem parece que o será tão cedo. Tal esporte tem uma forma diferente de lidar com a sacralização dos seus expoentes máximos: pela repetição dos números de suas camisas, assistimos à rememoração, à atualização de mitos do passado. Assim, o nº 10 do Santos evocará sempre Pelé, o 10 do flamengo será sempre Zico e o 7 do Botafogo, Garrincha.
Não é à toa que até recentemente, Robinho jogou com a 10 do Rei e Túlio (em meados da década de 90) com a 7 do Anjo das Pernas Tortas. Havia uma jogada de marketing, é claro, mas ela correspondia à vontade dos torcedores de ver seus heróis ressuscitados, alguns de seus mitos voltando à vida e aos gramados. É como se evocássemos constantemente o seu retorno.
Porém, essas duas formas de se lidar com a sacralização do ídolo freqüentemente se encontram misturadas.
Na NBA, os novatos mais talentosos se não jogam nos clubes por onde passaram seus modelos, geralmente adotam as camisetas com os números deles. Excetuando-se os Lakers e os Bulls, existe uma profusão de números 23 e 32 entre os times americanos. Se não me engano, o mais novo talento da Liga, Lebron James, é o 23 de seu time.
Enquanto isso, nos domínios do "esporte bretão", ficamos sempre achando que a técnica, o estilo ou o jogo dos atuais portadores das camisas dos craques do passado jamais correspondem ao modelo a que fazem referência, a repetição sendo impossível. Por vezes até surge, como no Boca Juniors argentino, a idéia de aposentar a camisa do craque.
Assim, a sacralização dos velhos mestres da capoeira gera o mesmo dilema que a mitificação dos craques do basquete ou do futebol. Uma das especificidades da bricadeira é que, numa roda, não usamos uniformes numerados.
Moreno
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