quarta-feira, dezembro 31, 2008

O guerrilheiro da capoeira

Depois de um longuíssimo período sem atualizar o blog, volto a escrever para dar vazão a uma impressão muito interessante que tive ao visitar o Forte da Capoeira em Salvador em meados desse ano. Eu e mais um camarada assistimos a uma aula do mestre Moraes naquele local e a primeira coisa que me chamou a atenção foi a bandeira de Angola estendida numa viga do teto, pendendo no centro da sala.

Achei que esse fato tinha um simbolismo muito importante dentro trabalho do mestre, pois evoca não só as origens africanas da capoeira mas também ressalta um aspecto de rebeldia que parece ser central na concepção de capoeira de mestre Moraes, pois a bandeira de Angola simboliza uma luta anti-colonial e socialista, evocando assim ideais de internacionalismo e de emancipação do homem através da prática do brinquedo.

Esse aspecto de rebeldia e de contestação da ordem ficou claro para nós quando da conversa que tivemos com o mestre no final de sua aula. Diga-se de passagem que a aula de capoeira -- que nós apenas assistimos -- durou mais ou menos uma hora; a roda, mais uma e a troca de idéias entre mestre e alunos depois da roda -- comentando os fatos que aconteceram no dia --mais outra. Além disso, a conversa que tivemos com o mestre durou pelo menos 40 minutos.

O que quero dizer aqui é que pela sua disposição para a conversa e pelo conteúdo e forma da mesma, posso classificar o mestre Moraes como um líder guerrilheiro da capoeira, cujo papel seria o de sempre desconfiar das armadilhas da domesticação do brinquedo. Por exemplo, ele foi o único dos mestres com quem falamos que encarou a declaração da capoeira como patrimônio cultural algo que poderia ser nocivo por enfraquecer sua independência frente aos poderes constituídos.

Na conversa do final da roda, o mestre explicitou aos alunos a sua visão pedagógica da capoeira. Esse tema foi suscitado porque, durante a aula uma de suas alunas -- uma menina de uns dez ou onze anos -- , por algum motivo que não percebi, desistiu de participar do treino e foi dispensada um pouco rispidamente pelo mestre. Esse acontecimento deu margem para que fosse debatido desde a metodologia de aula de capoeira até o sistema educacional brasileiro.

Em determinado ponto da sua conversa com os alunos, Moraes defendeu a necessidade de o capoeirista de seu grupo ter formação universitária, transformando-se num militante e ideólogo da capoeira angola. Percebi que de um graduado do GCAP não se exige apenas habilidade no jogo, mas também a capacidade de agir e argumentar no debate no meio capoeirístico em defesa de uma capoeira que evoca origens africanas e idéias de resistência e contestação social.

Em suma, uma maneira militante de se comprometer com o brinquedo.

Um abraço a todos e um feliz 2009.

Moreno