terça-feira, novembro 26, 2013

Correção sobre o ngolo

Camaradas, devo fazer uma correção referente à postagem anterior. O ngolo já havia sido documentado, sim, nos anos 1960 pelo pintor luso-angolano Albano Neves e Souza que foi quem revelou sua existência a mestre Pastinha. Mas é bem possível que Mattias Assunção e Cobrinha Mansa tenham sido os primeiros a filmar e divulgar essa arte marcial angolana.
Um abraço,
        Moreno

sábado, novembro 23, 2013

O Ngolo finalmente documentado!

Camaradas, acabo de retornar de Cachoeira no Recôncavo Baiano, região que aparece no imaginário de todo o capoeirista como local mítico de origem do samba de roda, da capoeira e do maculelê. Pois bem, a cidade situada às margens do Rio Paraguaçu sediou o I Congresso Internacional de Pesquisadores de Capoeira, evento simplesmente fenomenal, de altíssimo nível. Muitos dos mais importantes pesquisadores de capoeira estiveram presentes: Liberac Pires, Líbano Soares, Júlio César Tavares, Luiz Renato Vieira, Mattias Assunção, César Barbieri (que, inclusive, citou o mestre Pombo de Ouro em sua palestra), Janja Araújo e outros não tão conhecidos.
Gostei muito das palestras do Líbano Soares e da mestra Janja, mas não vou aborrecer vocês com questões políticas e teóricas sobre a capoeira. A razão de eu estar escrevendo aqui tem a ver com a projeção de estréia do documentário "Jogo de corpo" feita durante o encontro. Mattias Assunção e Mestre Cobrinha Mansa simplesmente foram ao sul de Angola e finalmente conseguiram não só encontrar como também filmar as lutas africanas do ngolo e da kandeka.
Para aqueles que estão entrando agora no mundo da capoeira, é preciso contar uma pequena história para explicar a minha empolgação: há mais ou menos 50 anos um pintor angolano  em visita a Salvador disse a mestre Pastinha que existia uma luta/dança na África que provavelmente estava na origem da capoeira, o ngolo ou dança da zebra, dançada durante um ritual de passagem das moças de uma determinada etnia do sul de seu país. Como sempre acontece no mundo da capoeira, essa história entrou no ambiente das disputas simbólicas referentes à origem da brincadeira: africana, brasileira ou crioula a depender de grupos e de projetos políticos-identitários. O fato é que nunca ninguém havia filmado o ngolo ou a kandeka e a existência delas sempre ficou num terreno muito disputado. É claro que as controvérsias sobre o tema não vão acabar e as disputas referentes ao peso relativo dado aos desenvolvimentos crioulos ou africanos na capoeira nunca serão esgotadas.
Foi muito emocionante ver no documentário que o balanço de corpo e os tapas da kandeka têm muito a ver com a ginga e as negaças dos antigos batuqueiros cariocas. Já o ngolo é uma luta/dança em que imperam os chutes e a ginga. Ambas não possuem nem cabeçadas nem rasteiras.  O ngolo é realmente praticado pelos homens -- todo mundo bebum, gente! -- durante a cerimônia que marca a passagem das meninas do grupo à vida adulta. Não tem instrumentos musicais, mas estão todos em círculo batendo palmas e cantando. Por outro lado, a kandeka parece não estar ligada a alguma cerimônia especial, pelo menos na Angola dos dias de hoje, mas é acompanhada por tambores, palmas e cantos.
Segundo Mattias Assunção, autor de um estudo recente que dá conta do estado da arte do que se escreveu até hoje sobre capoeira, não se pode dizer que o ngolo seria a origem da brincadeira, até porque outras formas de danças ou lutas devem ter existido ou ainda existir em outras regiões da África -- não necessariamente de cultura banto, como o ngolo e a kandeka -- cujos praticantes vieram parar no Brasil. Isso para não se falar dos desenvolvimentos que aconteceram em território brasileiro durante a crioulização da capoeira. Porém, não se pode negar o parentesco muito próximo que existe entre suas técnicas corporais. 
Além de ser corporal e físico, tal parentesco é, também, musical. No filme tive a oportunidade de escutar o berimbau como é tocado no sul de Angola: sua caixa de ressonância não é a cabaça, mas a boca do tocador e o arame ou um entrelaçado de cipós bem finos servem como corda. E como são atados de forma bem frouxa às extremidades da verga, o som que fazem é muito, mas muito próximo daquele do berimbau de mestre Bimba. Por outro lado, ao escutar a entonação e a voz de alguns dos cantadores – descontando-se que as letras estão em línguas como quimbundo, ambundo, ovimbundo ou chokwe – pensamos ouvir mestre João Grande.
É claro que também no campo musical é muito complicado falar de origens, até porque todas essas formas de cantar, de tocar o berimbau e de jogar a kandeka ou o ngolo também se modificaram durante a história angolana, marcada pela guerra civil até bem recentemente; e em dias mais atuais pela modernização caótica, acelerada e extremamente desigual. É muito possível que os mestres Bimba e João Grande tenham chegado a vocalizações, afinações e toques de berimbau próximos aos angolanos por caminhos diferentes, porém informados por tradições ancestrais muito próximas.
É isso, camaradas, no final das contas, no ngolo, na kandeka, no berimbau, no ritmo e na vocalização da música angolana percebemos claramente a ancestralidade africana de algumas manifestações culturais centrais do Brasil. Esse documentário, exibido na véspera do dia 20 de Novembro mostrou bem que por mais branco que qualquer brasileiro seja, ele possui uma alma que é bem negra.
 Um abraço a todos,
                                     Moreno