domingo, setembro 24, 2006

"Mestre Bimba - A capoeira iluminada": anotações

Infelizmente, perdi a crítica que tinha escrito sobre o filme. Anoto apenas esse "insight" que tive.
O fime começa com os alunos do mestre falando sobre a influência dele nas suas vidas e depois passa a apresentar as várias mulheres que o mestre Bimba teve. Intercalados com tais depoimentos e ganhando destaque no fim, aparecem trechos com entrevistas de um conhecido mestre de uma conhecido megagrupo.
Tais inserções são a grande isca do filme para a platéia desavisada. Não quero aqui julgar se tal ou qual mestre tem ou não legitimidade para reivindicar a herança de Manoel dos Reis Machado, quero apenas dizer que o documentário esconde o fato de a organização atual dos grupos de capoeira ter assumido novas formas desde a criação do grupo de mestre Bimba nos anos 30 do século passado. Entre as rodas de vadiação, as academias de meados do século XX, os grupos folclóricos e os grupos-empresas multinacionais há uma diferença muito grande.
Como isso não foi abordado no filme, fica parecendo que a capoeira não mudou nesse período de tempo: métodos de treinamento, relacionamento mestre-aluno, organização e dinâmica de funcionamento dos grupos, tudo teria continuado o mesmo. Os efeitos que tais mudanças tiveram na brincadeira não são abordados. Há uma idealização muito grande da figura do mestre Bimba, e o filme se aproveita da força desse mito não-questionado pelos seus ex-alunos para projetar uma herança apresentada como direta e linear do criador da regional sobre os grupos-franquia dos dias de hoje.
Assim, escondendo a especificidade da forma de organização da capoeira nos dias de hoje, o documentário acaba legitimando uma realidade muito diversa da que o mestre Bimba conheceu, virando peça publicitária a serviço da expansão dos megagrupos.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Notas sobre a palestra do mestre Luiz Renato

Muito interessante a palestra do mestre Luiz Renato a respeito da tensão existente entre o ethos do capoeirista e aquele do profissional de capoeira, entre a tradição da malandragem na capoeira e o mundo do trabalho na sociedade moderna. Chamou muito minha atenção seu comentário segundo o qual toda tradição deve ser interpretada, pois é fruto de determinadas lutas acontecidas em determinado contextos de disputas -- de poder mesmo! --sobre o que era ou o que devia ser a capoeira.
Tentar adaptar uma tradição a um contexto muito diverso daquele em que ela foi criada pode fechar muitas portas profissionais aos professores de capoeira da atualidade. E isso alimenta outra tradição do meio : a atribuição do fracasso não à falta de visão do profissional, mas à perseguição à capoeira, ao racismo e a outros bodes expiatórios. Dessa maneira, aquilo que o mestre chamou de "complexo de vitimização do capoeirista" é reforçado dentro do meio da capoeiragem.
Na parte do debate, surgiram questões sobre a possibilidade de a capoeira romper com os aspectos mais perversos da lógica da modernidade. O mestre frisou que escolhas devem ser feitas pelos professores de capoeira e pelos próprios grupos. Ganha-se de um lado, perde-se de outro. Mas cada grupo pode lidar de maneiras diferentes com a lógica do mercado. Vários já se transformaram em franquias, por exemplo.
Seria esse o único meio de adaptação? E mais, seriam todas as franquias iguais? Sabemos que a relação mestre-aluno e o modo como o mestre constrói a relação aluno-aluno são elementos importantíssimos e dependem muito da formação e da personalidade de cada mestre. Em tese, então cada grupo -- no limite, cada mestre -- teria uma forma de estruturar essas relações.