quarta-feira, fevereiro 16, 2011

A formação das charangas nas rodas de capoeira

Essa questão da quantidade de berimbaus na roda de capoeira dá muito pano pra manga. Lembro de uma palestra do mestre de capoeira e sociólogo Luiz Renato mostrando várias imagens de diferentes mestres da velha guarda com diversas formações na bateria. De fato, existem cenas de filmes antigos em que mestre Bimba toca acompanhado de outros berimbau além do seu. Neste aqui, por exemplo,

http://www.youtube.com/watch?v=oxZexuDY_PQ

ele aparece aos 4 minutos e 18 segundos acompanhado por mais um berimbau e apenas um pandeiro. Ou seja, parece mestre Bimba admitia algumas exceções à regra que ele mesmo criou dentro de sua academia. Para citar outros mestres importantes, menciono que no filme "O pagador de promessas", vemos uma roda formada pelos mestres Traíra, Canjiquinha e Gigante e pelo ator/capoeirista Antônio Pitanga com 4 berimbaus e dois pandeiros em sua bateria. Para ver, é só acessar esse endereço:

http://www.youtube.com/watch?v=PJpKawSXlG4

O próprio Mestre Pastinha escreve que apreciava muito as rodas de capoeira cujas charangas eram formadas por castanholas e violões além de berimbaus e pandeiros. Porém, ele rompeu com essa tradição para criar a charanga com três berimbaus, um atabaque, um reco-reco, um agogô e um pandeiro que, como se vê em algumas imagens, parece que também não era respeitada em todas as rodas que ele comandava.

Acho que isso serve para abrir nossos olhos para a a excessiva formalidade que às vezes é valorizada no nosso meio. Em muitas ocasiões, ela serve como pretexto para desqualificar outros grupos e mestres como "impuros" ou "ignorantes". Muitas vezes, prestamos atenção nas formalidades e nos esquecemos de que elas foram criadas por homens de carne e osso como nós e de que elas possuem uma história.

Podemos dizer dos mestres Bimba e Pastinha que ambos são inventores de duas tradições de capoeira criadas nos anos 30 -- a invenção de Bimba, pasmem, sendo anterior. As duas invenções estão baseadas na seleção de elementos pertencentes ao amplo substrato de golpes, instrumentação e visão de mundo da vadiação baiana. Sendo assim, acho que é possível que, no que diz respeito à formação da bateria, algo da ausência de sistematização da vadiação repercuta nas rodas dos mestres da velha guarda baiana.

Iniciados na brincadeira naquele ambiente mais livre da primeira metado do século XX, nomes como Bimba, Pastinha, Traíra, Canjiquinha e Gigante talvez se importassem menos do que imaginamos com a composição das charangas de suas rodas.

Com isso, não estou querendo dizer que devemos acabar com qualquer sistematização ou que aquelas criadas pelos antigos não fazem nenhum sentido: não dá para negar que o "clima" de uma roda cuja charanga é formada por dois pandeiros e um berimbau afinados à maneira de mestre Bimba e tocando o São Bento Grande da Regional é completamente diferente daquele de outra roda composta por três berimbaus -- o gunga tocando angola, o médio invertendo e o viola improvisando ou caindo para o São Bento Grande -- ajudados por um atabaque, um reco-reco, um pandeiro e um agôgo. E ambos são diferentes daqueles das rodas em que o atabaque soa mais alto que os berimbaus tocando "mosquitinho doidão". Energias diferentes estão ligadas, sim, à qualidade da bateria de uma roda. Todo capoeirista sabe disso.

O que não dá para fazer é ficar paranóico com o número de berimbaus de uma roda. Afinal, não existem só esses três tipos de roda e a formação da instrumentação não determina por si só a boa qualidade da música e da natureza da interação que vai ocorrer entres os praticantes. Muitas vezes, basta um berimbau bem tocado com uma galera disposta a fazer um jogo de camaradagem e pronto. Não tem muita complicação. E talvez essa postura mais aberta combine mais com a tradição da vadiação, se é que existe uma.


Um abraço a todos,

Moreno