Carta ao Coronel
Legal, Coronel! Esse livro do Zuma é um marco na história da capoeira: esta seria a sua primeira sistematização. Depois, queria que o senhor me emprestasse, hein!
Segundo as fontes que tenho, Zuma não era um capoeirista de origem popular, formado nas rodas de pernada dos malandros; ele tinha o objetivo de "higienizar" ( uma palavra muito usada na época) a capoeira, transformando-a numa luta nacional aos moldes do boxe inglês. Ou seja, o objetivo era "desafricanizá-la"; e aí Zuma bane o canto, os instrumentos musicais, as palmas, a ginga -- e a própria roda, já que a luta deveria acontecer em um ringue. O caráter festivo da capoeira também seria combatido: ela não seria mais um híbrido entre brincadeira, dança e luta. Assumiria um caráter marcial e ponto.
O método de Zuma foi muito influente e inspirou até mestre Bimba: numa entrevista de 1936, o grande mestre baiano disse que as lutas que ele faria no Terreiro de Jesus seriam regidas pelas regras de Zuma. Ou seja, na época, os capoeiristas baianos viam como algo muito prestigioso incorporar algo do projeto da Ginástica Nacional à sua concepção da brincadeira. Com o tempo, os projetos étnicos e populares da boa terra (regional e angola) sobrepujariam o elitista e nacional projeto carioca.
Porém, não dá para desconsiderar o papel da Ginástica Nacional na história da capoeira. Alguns autores, como o Luiz Renato Vieira, escrevem que a capoeira regional pode ter sido um projeto marcial incompleto, pois mestre Bimba teria desistindo de transformá-la numa luta só no final dos anos 40. André Lacé argumenta que mestre Bimba só chamou sua capoeira de "luta regional baiana" porque reconhecia a existência de uma "ginástica nacional", mais desenvolvida e prestigiada por ter sido criada num centro cultural mais importante que Salvador.
Quanto aos militares, seu objetivo foi quase sempre nesse sentido: higienizar a capoeira, interrompendo sua comunicação com a fonte popular e afro de sua vitalidade e sistematizar uma luta nacional a partir daí. O mestre de capoeira, geralmente de origem negra e popular, poderia até ser dispensado, segundo Lamartine Pereira da Costa. Essa tentativa de apropriação da capoeira pela educação física até hoje gera pano pra manga -- de fato, o que já está acontecendo hoje em dia é algo no sentido contrário, o que acredito ser muito mais interessante.
Na verdade, uma pitada de nacionalismo e um desejo de transformar a capoeira em luta esteve presente , em maior ou menor grau, em muitos dos diferentes projetos de capoeira. Talvez seja nessa permanência que se manifeste a maior herança do projeto da Ginástica Nacional.
Um abraço a todos,
Segundo as fontes que tenho, Zuma não era um capoeirista de origem popular, formado nas rodas de pernada dos malandros; ele tinha o objetivo de "higienizar" ( uma palavra muito usada na época) a capoeira, transformando-a numa luta nacional aos moldes do boxe inglês. Ou seja, o objetivo era "desafricanizá-la"; e aí Zuma bane o canto, os instrumentos musicais, as palmas, a ginga -- e a própria roda, já que a luta deveria acontecer em um ringue. O caráter festivo da capoeira também seria combatido: ela não seria mais um híbrido entre brincadeira, dança e luta. Assumiria um caráter marcial e ponto.
O método de Zuma foi muito influente e inspirou até mestre Bimba: numa entrevista de 1936, o grande mestre baiano disse que as lutas que ele faria no Terreiro de Jesus seriam regidas pelas regras de Zuma. Ou seja, na época, os capoeiristas baianos viam como algo muito prestigioso incorporar algo do projeto da Ginástica Nacional à sua concepção da brincadeira. Com o tempo, os projetos étnicos e populares da boa terra (regional e angola) sobrepujariam o elitista e nacional projeto carioca.
Porém, não dá para desconsiderar o papel da Ginástica Nacional na história da capoeira. Alguns autores, como o Luiz Renato Vieira, escrevem que a capoeira regional pode ter sido um projeto marcial incompleto, pois mestre Bimba teria desistindo de transformá-la numa luta só no final dos anos 40. André Lacé argumenta que mestre Bimba só chamou sua capoeira de "luta regional baiana" porque reconhecia a existência de uma "ginástica nacional", mais desenvolvida e prestigiada por ter sido criada num centro cultural mais importante que Salvador.
Quanto aos militares, seu objetivo foi quase sempre nesse sentido: higienizar a capoeira, interrompendo sua comunicação com a fonte popular e afro de sua vitalidade e sistematizar uma luta nacional a partir daí. O mestre de capoeira, geralmente de origem negra e popular, poderia até ser dispensado, segundo Lamartine Pereira da Costa. Essa tentativa de apropriação da capoeira pela educação física até hoje gera pano pra manga -- de fato, o que já está acontecendo hoje em dia é algo no sentido contrário, o que acredito ser muito mais interessante.
Na verdade, uma pitada de nacionalismo e um desejo de transformar a capoeira em luta esteve presente , em maior ou menor grau, em muitos dos diferentes projetos de capoeira. Talvez seja nessa permanência que se manifeste a maior herança do projeto da Ginástica Nacional.
Um abraço a todos,