Nacional e Bella Vista
Começo de uma tarde linda em Montevidéu: céu azul, sol brilhando, 15 graus à sombra e uns 25 ao sol. As águas do Rio da Prata não recebem banhistas. Devem estar muito frias e apenas alguns surfistas com roupas de borracha pegam suas pequenas ondas. Fiquei sabendo pelo taxista que o Nacional ia jogar hoje no Centenário às 3, mas tinha marcado de almoçar com um amigo. Á uma e meia, hora combinada, telefono para seu quarto de hotel: não irá. Problemas de digestão. O campo está livre para um almoço rápido o suficiente para pegar o começo do jogo com o Bella Vista -- nem sabia que esse time existia.
Comprei um ingresso para a platea america, sem saber bem onde e como eram os lugares: apenas desconfiei um pouco quando o vendedor da bilheteria me perguntou para confirmar: "Abajo?" -- "Sí." Respondi sem pensar. Acabei parando na geral do estádio, cadeiras de cimento situadas um pouco acima do nível do campo. O sol das três batia em cheio tanto na platea quanto nas tribunas -- como são chamadas as arquibancadas aqui na banda oriental. A sensação de calor misturada com a decepção de não poder ter uma boa visão do campo quase me fizeram sair para comprar uma entrada na tribuna américa, que estava logo atrás e acima de mim. Mas o jogo já estava para começar e resolvi ficar por ali mesmo.
Não me arrependi. Assistir a um jogo no nível do campo pode não te dar a melhor noção de movimentação e posicionamento dos jogadores, mas proporciona uma maior intimidade com o que está rolando ali. A proximidade da platea faz com que ela comprove a humanidade dos jogadores e se identifique com ela. Longe de serem aqueles pequenos peões de xadrez que não gritam, não suam e nem se estrebucham ao se chocar com seu adversários ao disputar a bola ao longo do tabuleiro verde, ali os camaradas são seres humanos passíveis de erros. Isso faz com que seus acertos se sobressaiam, tornando-se mais festejados. Atos de bravura e de covardia, cera, fingimentos, técnica ou grossura, oportunismo tornam-se mais inteligíveis assim.
Foi Nelson Rodrigues que escreveu que na mais comum das peladas existe a grandeza de uma tragédia grega. Foi na aula da professora Tereza Negrão que aprendi que a principal diferença que Aristóteles via entre a comédia e a tragédia era que, na primeira, as pessoas envolvidas eram tidas como inferiores ao espectador, e por isso se podia rir de suas desgraças. Na segunda, os sofrimentos apresentados no palco abatiam pessoas que a platéia via como estando a seu nível ou acima dele, por isso sofriam junto com eles e podiam refletir sobre suas existências a partir do espetáculo.
Pois assim foi: Nacional e Bella Vista apresentariam para meus olhos um espetáculo humano na campo de jogo porque estávamos eu e os jogadores compartilhando um mesmo nível: o da platea do Estádio Centenário. E isso tudo aconteceu por acaso.
4 a 3 para o Nacional, num jogo em que o Bella Vista fez 2 a 0 logo nos primeiros 20 minutos. O primeiro, um bonito gol que nasceu a partir de um contra-ataque e de uma boa troca de passes dentro da área do Nacional. O segundo, aconteceu depois que Recoba, o figurão do time, perdeu uma bola no meio de campo. A partir daí,o Nacional prevaleceu no jogo apesar de o Bella Vista chegar com perigo algumas vezes.
Mas essa crônica não é para descrever o jogo. Passo a outro pequeno ponto que não poderia deixar de registrar: também fazia parte do mesmo espetáculo a hinchada do Nacional: seria o candombe aquele ritmo que batucavam e cantavam com a ajuda de um trompete que fazia os contratempos de jazz de Nova Orleans? Nós brasileiros nos achamos o umbigo do mundo quando se trata de carnaval e cultura da diáspora africana e não prestamos atenção em coisas que estão aqui do nosso lado. Os cantos de guerra da hinchada me pareceram uma criativa combinação entre marchinhas carnavalescas, axé music e jazz de Nova Orleans. Mas com certeza eram outra coisa que não tudo isso.
Foi Nelson Rodrigues que escreveu que na mais comum das peladas existe a grandeza de uma tragédia grega. Foi na aula da professora Tereza Negrão que aprendi que a principal diferença que Aristóteles via entre a comédia e a tragédia era que, na primeira, as pessoas envolvidas eram tidas como inferiores ao espectador, e por isso se podia rir de suas desgraças. Na segunda, os sofrimentos apresentados no palco abatiam pessoas que a platéia via como estando a seu nível ou acima dele, por isso sofriam junto com eles e podiam refletir sobre suas existências a partir do espetáculo.
Pois assim foi: Nacional e Bella Vista apresentariam para meus olhos um espetáculo humano na campo de jogo porque estávamos eu e os jogadores compartilhando um mesmo nível: o da platea do Estádio Centenário. E isso tudo aconteceu por acaso.
4 a 3 para o Nacional, num jogo em que o Bella Vista fez 2 a 0 logo nos primeiros 20 minutos. O primeiro, um bonito gol que nasceu a partir de um contra-ataque e de uma boa troca de passes dentro da área do Nacional. O segundo, aconteceu depois que Recoba, o figurão do time, perdeu uma bola no meio de campo. A partir daí,o Nacional prevaleceu no jogo apesar de o Bella Vista chegar com perigo algumas vezes.
Mas essa crônica não é para descrever o jogo. Passo a outro pequeno ponto que não poderia deixar de registrar: também fazia parte do mesmo espetáculo a hinchada do Nacional: seria o candombe aquele ritmo que batucavam e cantavam com a ajuda de um trompete que fazia os contratempos de jazz de Nova Orleans? Nós brasileiros nos achamos o umbigo do mundo quando se trata de carnaval e cultura da diáspora africana e não prestamos atenção em coisas que estão aqui do nosso lado. Os cantos de guerra da hinchada me pareceram uma criativa combinação entre marchinhas carnavalescas, axé music e jazz de Nova Orleans. Mas com certeza eram outra coisa que não tudo isso.
É só isso: um pequeno relato de uma ensolarada tarde de domingo passada em Montevidéu sob um céu azul e um sol amarelo e vibrante como os da bandeira uruguaia.