"Três espiãs demais" e a capoeira
Àqueles que acompanham o blog, peço desculpas pelo longo intervalo entre as postagens. É que agora venho tendo mais preocupações além da atualização dos textos. Mas nunca deixo de pensar na capoeira.
O tema da postagem de hoje é a incorporação da capoeira pela indústria cultural. Mais especificamente, por dois desenhos animados que passam pela manhã na TV Globinho, aos quais assisto quase que diariamente. O primeiro deles é "Três espiãs demais" e o outro é "Combo Ninõs".
"Três espiãs demais" conta as aventuras de três "patricinhas" adolescentes que estudam numa escola de Beverly Hills e que também são agentes de uma organização secreta que combate o mal em todos os cantos do planeta, a WOOHP, sigla em inglês para Organização Mundial para a Proteção Humana. Lembra um pouco uma versão para crianças do seriado "As panteras", já que as meninas -- cada uma com uma característica física que a define, no caso do desenho uma loura, uma ruiva e uma negra -- possuem um chefe que as convoca para missões-surpresa num escritório localizado num lugar misterioso. Além de referências a esse seriado dos anos 70/80, existe também uma semelhança dos desenhos com o mangá japonês.
Esse desenho é produzido por uma multinacional anglo-francesa do ramo do entretenimento que é composta por 30 empresas produtoras sediadas em 18 países da Europa, além de Estados Unidos, Índia e Brasil. Segundo informações de seu site oficial, a empresa teve um lucro de 400 milhões de euros em 2008. Escrevo esses dados para dar uma idéia do enorme interesse econômico que está envolvido na produção e comercialização do desenho animado, que é apenas um entre as dezenas de produtos daquele conglomerado de empresas.
Ora, o fato de haver referências à capoeira em um de seus episódios significa que a brincadeira já pode ser reconhecida internacionalmente e que efetivamente já faz parte de um estilo de vida propagandeado pela cultura pop internacional.
Pois bem, passo agora a me referir a um determinado episódio a que assisiti no qual um dos ex-agentes da WHOOP rouba o método de ensino de defesa pessoal da central de treinamento da organização, localizada na América do Sul, adpata-o a uma música com poderes hipnóticos e forma um exército de zumbis treinados em artes marciais cujo objetivo é dominar o mundo.
Uma das imagens que me chamou atenção nesse episódio foi a da forma de treinamento que o vilão utiliza para ensinar defesa pessoal a seus zumbis: ele organizava fileiras com centenas de pessoas, ligava o aparelho de som numa música que era capaz de hipnotizar os aprendizes e demonstrava os movimentos que deviam ser realizados pelos alunos.
Ora, para bom etendedor, meia palavra basta: uma arte marcial praticada na América do Sul ao som de uma música à qual se atribui poderes hipnóticos só pode ser inspirada na capoeira! E mais interessante ainda é que em tal episódio surgem muitas referências ao mundo da capoeira e à forma como ela é vista tanto pelos seus praticantes como por aqueles que estão de fora: as críticas aos "aulões" com centenas de alunos em praça pública, o "transe capoeirano" ou a transformação dos capoeiristas em autômatos e sua submissão a um mestre carismático são imagens muito recorrentes no nosso discurso sobre a capoeira atual e que também ecoam em tal desenho animado.
Ou seja, o argumento desse episódio foi escrito por alguém que soube criar uma história a partir de debates que ocorriam dentro do meio da capoeira, e que soube adaptar algumas idéias desse debate à linguagem da cultura de massas, elaborando uma seqüência de narração minimamente coerente.
Esse é o preço que se paga por ter conquistado o mundo: acaba-se também conquistado por ele.
Na próxima postagem, escrevo sobre o outro desenho, "Combo Niños".
Um abraço a todos,
Adriano
O tema da postagem de hoje é a incorporação da capoeira pela indústria cultural. Mais especificamente, por dois desenhos animados que passam pela manhã na TV Globinho, aos quais assisto quase que diariamente. O primeiro deles é "Três espiãs demais" e o outro é "Combo Ninõs".
"Três espiãs demais" conta as aventuras de três "patricinhas" adolescentes que estudam numa escola de Beverly Hills e que também são agentes de uma organização secreta que combate o mal em todos os cantos do planeta, a WOOHP, sigla em inglês para Organização Mundial para a Proteção Humana. Lembra um pouco uma versão para crianças do seriado "As panteras", já que as meninas -- cada uma com uma característica física que a define, no caso do desenho uma loura, uma ruiva e uma negra -- possuem um chefe que as convoca para missões-surpresa num escritório localizado num lugar misterioso. Além de referências a esse seriado dos anos 70/80, existe também uma semelhança dos desenhos com o mangá japonês.
Esse desenho é produzido por uma multinacional anglo-francesa do ramo do entretenimento que é composta por 30 empresas produtoras sediadas em 18 países da Europa, além de Estados Unidos, Índia e Brasil. Segundo informações de seu site oficial, a empresa teve um lucro de 400 milhões de euros em 2008. Escrevo esses dados para dar uma idéia do enorme interesse econômico que está envolvido na produção e comercialização do desenho animado, que é apenas um entre as dezenas de produtos daquele conglomerado de empresas.
Ora, o fato de haver referências à capoeira em um de seus episódios significa que a brincadeira já pode ser reconhecida internacionalmente e que efetivamente já faz parte de um estilo de vida propagandeado pela cultura pop internacional.
Pois bem, passo agora a me referir a um determinado episódio a que assisiti no qual um dos ex-agentes da WHOOP rouba o método de ensino de defesa pessoal da central de treinamento da organização, localizada na América do Sul, adpata-o a uma música com poderes hipnóticos e forma um exército de zumbis treinados em artes marciais cujo objetivo é dominar o mundo.
Uma das imagens que me chamou atenção nesse episódio foi a da forma de treinamento que o vilão utiliza para ensinar defesa pessoal a seus zumbis: ele organizava fileiras com centenas de pessoas, ligava o aparelho de som numa música que era capaz de hipnotizar os aprendizes e demonstrava os movimentos que deviam ser realizados pelos alunos.
Ora, para bom etendedor, meia palavra basta: uma arte marcial praticada na América do Sul ao som de uma música à qual se atribui poderes hipnóticos só pode ser inspirada na capoeira! E mais interessante ainda é que em tal episódio surgem muitas referências ao mundo da capoeira e à forma como ela é vista tanto pelos seus praticantes como por aqueles que estão de fora: as críticas aos "aulões" com centenas de alunos em praça pública, o "transe capoeirano" ou a transformação dos capoeiristas em autômatos e sua submissão a um mestre carismático são imagens muito recorrentes no nosso discurso sobre a capoeira atual e que também ecoam em tal desenho animado.
Ou seja, o argumento desse episódio foi escrito por alguém que soube criar uma história a partir de debates que ocorriam dentro do meio da capoeira, e que soube adaptar algumas idéias desse debate à linguagem da cultura de massas, elaborando uma seqüência de narração minimamente coerente.
Esse é o preço que se paga por ter conquistado o mundo: acaba-se também conquistado por ele.
Na próxima postagem, escrevo sobre o outro desenho, "Combo Niños".
Um abraço a todos,
Adriano