Pastinha, Gilberto e Hendrix
Amigos e amigas, nos anos 90 uma rádio daqui de Brasília tinha um programa dominical de entrevistas com músicos importantes que vinham se apresentar nos palcos da cidade. O programa funcionava da seguinte maneira: o apresentador pedia para o artista listar 1o gravações que tinham influenciado sua carreira; as músicas eram executadas em grupos de 3 ou 4 por bloco, com o artista explicando o motivo de cada escolha e chamando atenção para alguns aspectos musicais que ele achava importantes.
Lembro do dia em que o convidado foi o filho do Tom Jobim, de cujo nome não me lembro. Sendo um músico relativamente jovem, uma das gravações que ele listou foi "Purple Haze" do Jimi Hendrix. Chamando atenção para um descompasso aparente que havia entre a bateria, de um lado, e o baixo e a guitarra de outro, ele disse que esse mesmo recurso aparecia na voz e no violão de João Gilberto. Achei interessantíssimo aquilo: dois músicos de estilos diferentes e que viviam em mundo paralelos utilizando uma técnica parecida, um na MPB e o outro no rock 'n' roll, um com seu banquinho e violão e o outro com sua guitarra endemoninhada.
Guardei essa admiração pela convergência entre os dois músicos por muito tempo até que, há alguns anos, escutei mestre João Grande cantar: " Janaína, rainha sereia do mar/não deixa meu barco virar" e "Iê, maior é Deus/ maior é Deus /Pequeno sou eu / o que eu tenho/ foi Deus que me deu..." além de outras cantigas. Nelas, berimbau e voz parecem não ter nada a ver um com o outro numa mandinga sonora que desconcerta o ouvido de qualquer um que escuta. Inclusive, tenho um camarada que disse, ao ouvir as gravações: "esse cara precisa aprender a cantar".
E o interessante é que não é só mestre João Grande que canta assim: depois percebi que mestre João Pequeno e que o próprio mestre Pastinha também o faziam, o que dá uma pista de que tal "descompasso" pode estar ligado não só a uma escola de vadiação mas até mesmo a uma característica musical afro que aparece e se atualiza na capoeira do mestre Pastinha, na bossa nova de João Gilberto e no rock'n'roll de Jimi Hendrix.
É claro que sempre existe a hipótese de o baiano João Gilberto, de alguma forma, ter aproveitado os sons da capoeira de mestre Pastinha na criação de seu estilo; não seria a primeira vez que música popular e jazz se encontrariam. E também pode ser que Hendrix, tendo profundo contato com a música negra americana, tenha aproveitado aquela característica em sua música. Mesmo que tenha acontecido isso, essa reelaboração não anula a hipótese da existência de um "descompasso afro-americano" na música desses caras.
Por outro lado, Vicente Pastinha, João Gilberto e Jimi Hendrix podem ter tirado isso de suas cartolas, gênios criativos que eram. E aí eles não teriam nada em comum entre si.
* * *
Explicar coisas desse tipo é complicado... Entramos no meio nebuloso de como o indivíduo trabalha as heranças culturais conscientes e inconscientes na criação artística. Sobre esse campo misterioso eu nem me atrevo a opinar.
Lembro do dia em que o convidado foi o filho do Tom Jobim, de cujo nome não me lembro. Sendo um músico relativamente jovem, uma das gravações que ele listou foi "Purple Haze" do Jimi Hendrix. Chamando atenção para um descompasso aparente que havia entre a bateria, de um lado, e o baixo e a guitarra de outro, ele disse que esse mesmo recurso aparecia na voz e no violão de João Gilberto. Achei interessantíssimo aquilo: dois músicos de estilos diferentes e que viviam em mundo paralelos utilizando uma técnica parecida, um na MPB e o outro no rock 'n' roll, um com seu banquinho e violão e o outro com sua guitarra endemoninhada.
Guardei essa admiração pela convergência entre os dois músicos por muito tempo até que, há alguns anos, escutei mestre João Grande cantar: " Janaína, rainha sereia do mar/não deixa meu barco virar" e "Iê, maior é Deus/ maior é Deus /Pequeno sou eu / o que eu tenho/ foi Deus que me deu..." além de outras cantigas. Nelas, berimbau e voz parecem não ter nada a ver um com o outro numa mandinga sonora que desconcerta o ouvido de qualquer um que escuta. Inclusive, tenho um camarada que disse, ao ouvir as gravações: "esse cara precisa aprender a cantar".
E o interessante é que não é só mestre João Grande que canta assim: depois percebi que mestre João Pequeno e que o próprio mestre Pastinha também o faziam, o que dá uma pista de que tal "descompasso" pode estar ligado não só a uma escola de vadiação mas até mesmo a uma característica musical afro que aparece e se atualiza na capoeira do mestre Pastinha, na bossa nova de João Gilberto e no rock'n'roll de Jimi Hendrix.
É claro que sempre existe a hipótese de o baiano João Gilberto, de alguma forma, ter aproveitado os sons da capoeira de mestre Pastinha na criação de seu estilo; não seria a primeira vez que música popular e jazz se encontrariam. E também pode ser que Hendrix, tendo profundo contato com a música negra americana, tenha aproveitado aquela característica em sua música. Mesmo que tenha acontecido isso, essa reelaboração não anula a hipótese da existência de um "descompasso afro-americano" na música desses caras.
Por outro lado, Vicente Pastinha, João Gilberto e Jimi Hendrix podem ter tirado isso de suas cartolas, gênios criativos que eram. E aí eles não teriam nada em comum entre si.
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Explicar coisas desse tipo é complicado... Entramos no meio nebuloso de como o indivíduo trabalha as heranças culturais conscientes e inconscientes na criação artística. Sobre esse campo misterioso eu nem me atrevo a opinar.